terça-feira, 31 de março de 2009

Simples Relatos

Não foi uma palestra. Foi uma conversa entre amigos. Paulo Faria se propôs a fazer simples relatos de sua vida como artista. Muito natural e descontraído se expôs para nós. Contou-nos sobre a graduação e o mestrado e os saltos quânticos que ocorrem nesse período que o fizeram mudar de rumo na vida artística. Um deles foi o grupo de estudo de modelo vivo que criou com alguns amigos. Nesse grupo, além de desenhar, discutiam textos complicados como os de Deleuze e encontrou nos amigos um apoio para dizer que conseguia entender apenas um parágrafo das cinco paginas do texto. Aprendeu na graduação que os trabalhos têm que ser vistos para as pessoas opinarem. Então, foi se cercando de pessoas que não tinham medo de falar o que pensavam sobre seu trabalho, eram assertivas e tinham coragem de dizer que não estava bom e só cabia a ele aprender a lida com as criticas. No mestrado compreendeu que a faculdade é um lugar de discussão e que o embate é importante.

Outro salto quântico foi um período de solidão que passou onde encontrou o que realmente gostava de fazer. Após um acidente de moto, ficou muito tempo deitado em casa, o que permitiu a ele refletir sobre a vida e descobrir o que o interessava realmente. Descobriu que gostava de chuva e árvore. Certa vez, vendo a chuva chegar e as cigarras contarem, teve um momento de muita emoção. Esse momento causou uma inquietação que o levou a desenvolver seu trabalho de final de curso no mestrado: Memórias de chuva. Com uma pausa longa antes de falar, definiu seu trabalho como..... fofo. Precisou de coragem e distância dos amigos para descobrir e assumir isso. Nessa nova linha sensível e delicada começou a desenvolver seu trabalho com cigarras. Após ler “Matéria de Poesia” do Manuel de Barro em que este fala que qualquer coisa serve para a poesia tranqüilizou seu coração. A partir daí se perguntou se cigarra era matéria de poesia. Hoje em dia tem coragem de se assumir o é: nerd, brega e alguém que desenha detalhes para depois cobrir com vidro e distorce o desenho simplesmente porque gosta, porque se diverte fazendo.

Por fim, nos aconselha a sempre a andar com um caderninho de desenhos; estudar outras línguas; não produzir sobre demanda (produzir apenas para exposição); colocar o currículo no portfólio e sempre pegar certificados, como o da conversa que ele teve conosco.

Foi assim nossa conversa com o Paulo. Espero que ele volte outras vezes para nos contar mais sobre como anda sua vida.


Manuel de Barros – Matéria de poesia

todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para a poesia

o homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia

terreno de 10×20, sujo de mato – os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia

um chevrolé gosmento
coleção de besouros abstêmios
o bule de braque sem boca
são bons para poesia

as coisas que não levam a nada
têm grande importância

cada coisa ordinária é um elemento de estima

cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral

o que se encontra em ninho de joão-ferreira:
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia

as coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia

tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia

as coisas que os líquenes comem
- sapatos, adjetivos -
tem muita importância para os pulmões
da poesia

tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia

os loucos de água e estandarte
servem demais
o traste é ótimo
o pobre-diabo é colosso

tudo que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta

pessoas desimportantes
dão para poesia
qualquer pessoa ou escada

tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia

o que é bom para o lixo é bom para poesia

importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços

as coisas jogadas fora
têm grande importância
- como um homem jogado fora

aliás é também objeto de poesia
saber qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem nascerem
em sua boca as raízes da escória

as coisas sem importância são bens de poesia

pois é assim que um chevrolé gosmento chega
ao poema, e as andorinhas de junho.

3 comentários:

  1. nossa foi maravilhosa a palestra, valew por terem se organizado, foi totla descontraída e MUITO instrutiva, eu como calouro me senti ainda mais incentivado e um pouco menos perdido. valew, e por favor façam masi coisas como essa.

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  2. Eu não sou de artes plásticas e nem da UnB.
    mas volta e meia entro neste blog pra saber e participar das atividades do IDA.

    Parabéns pela iniciativa

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